sexta-feira, 28 de março de 2008

"Viver é negócio muito perigoso..." - Fragmentos do grande João Guimarães Rosa e uns retratinhos legais...

"De cada vivimento real que eu tive, de alegria forte ou pesar, cada vez daquela hoje vejo que eu era como se fosse diferente pessoa. Assim eu acho, assim é que eu conto..."

"Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data. O senhor mesmo sabe..."

"O que vale, são outras coisas. A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem se misturam..."

"Contar é muito , muito, dificultoso. Não pelos anos que se já passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas - de fazer balancê, de se remexerem dos lugares. O que eu falei foi exato? Foi. Mas teria sido? Agora, acho que nem não. São tantas horas de pessoas, tantas coisas em tantos tempos, tudo miúdo recruzado..."

"A brandura de botar para se esquecer uma porção de coisas - as bestas coisas em que a gente no fazer e no nem pensar vive preso, só por precisão, mas sem fidalguia"

segunda-feira, 24 de março de 2008

O Swing Mistral 5 - Minhas impressões


Foto: Swing


Na última Sexta 21, fiz meus primeiros vôos com a minha nova vela - um Swing Mistral 5 (LTF 1-2 EN B). Foram aproximadamente 1 hora e meia voando; primeiro em condições termais fortes, depois um pouco mais fracas;por fim, um lift de fim de tarde.
Em que pese o fato de eu não me sentir apto a dar um parecer técnico acerca do parapente, sinto-me bastante a vontade em falar das minhas impressões usando como parâmetro outros parapentes em que já voei. A propósito, acho que se esse hábito fosse adotado por todos os pilotos que trocassem a asa, acrescentaria-se muito em termos de cultura esportiva e técnica a comunidade do vôo livre em geral. Talvez as pessoas evitem fazer uma colocação elogiosa ou uma crítica a um parapente, no receio de serem interpretadas como "garoto(a)- propaganda" ou crítico(a)de uma marca. A minha opinião é que se cada piloto tornasse público suas impressões acerca do parapente que voa, a escolha na hora da troca seria mais fácil e mais criteriosa. Certamente há mercado para todo mundo e qualidades e defeitos em todos os paracas. Precisamos descobri-los no intuito de achar aquele que combine mais com o que buscamos.



foto: Swing


Após o prólogo de praxe, vamos ao que interessa: O Mistral 5.
Na Sexta, cheguei na Serra da Moeda em BH por volta das 09:30 com o objetivo de fazer algum controle de solo com a minha nova vela antes de voar. Ansioso como uma criança que acaba de ganhar um brinquedo, tratei logo de abrir o paraca no pouso para infla-lo. Logo notei o acabamento caprichoso da Swing. Costuras, painéis e design me impressionaram muito positivamente. Velcro na ponta dos estabilizadores, borracha anti-derrapante nos batoques são bons e úteis "acessórios".
Seguindo a nova onda, o Mistral 5 também não tem linhas "D". São três tirantes (A, "baby A", B e C); o caso é que o tirante C vem com o que vou chamar de "Baby C": um pequeno tirante que nasce do C principal e que morre nas linhas do centro da vela; eu e outros piltos fizemos várias suposições a respeito de sua utilidade - resguardar um pedaço da vela do efeito do acelerador, diminuir arrasto, fazer com que o freio não atue (ou atue menos) no terço central da vela; poderia até o tal "Baby C" ser apenas uma solução da Swing para a ausência do "D" e aí ele não seria um "Baby C" e sim um "Pseudo D"... enfim, foram várias suposições sem que no entanto chegássemos a um consenso. Até o momento o manual do Mistral 5 está disponível apenas em Alemão, o que limita em muito a minha curiosidade.
O Mistral 5 tem ainda uma linha que atravessa toda a vela, por entre as células, no terço próximo ao bordo de fuga. Essa fita foi considerada por todos que a viram, consensualmente, um estabilizador da vela.

A INFLADA: O Mistral 5 é uma vela muito tranquila na inflada. Não sobe rápida demais, o que me pareceu uma qualidade bastante importante já que o ventão estava razoavelmente encorpado no dia de nossa estréia. Talvez na ausência de vento na decolagem essa peculiaridade se torne um defeito. De toda forma, nunca fui chegado em velas que sobem de forma brusca e rápida demais. Neste quesito, ponto para o Mistral 5.

O VÔO: Comandos precisos e honestos, sem nenhuma dose exagerada de conforto que prejudique o feedback necessário para a pilotagem ativa, o Mistral 5 me pareceu uma vela muito bem equilibrada, com uma certa tendência a esportividade. Os comandos não são muito macios e o seu curso de freios é compatível com o de um LTF 1-2: longo e tolerante.
O visual é um detalhe à parte; como haviam dois Mistral 5 voando na Moeda (deve ser a única rampa do mundo nesse momento em que voam dois Mistral 5 juntos) tive a oportunidade de ver a vela em vôo também; o shape do Mistral 5 é muito moderno e me lembrou muito as fotos que vi do Sport 4 da Airwave, com grande arqueamento e tensionamento dos estabilizadores que dão a vela um visual bem diferente.

RENDIMENTO E SEGURANÇA:Tive a impressão de que a vela perde pouco ( ou menos do que eu imaginava ) durante as turbulências e movimentos do Pitch, mas essa é uma impressão que eu ainda preciso confirmar. A velocidade de mãos altas é satisfatória e compatível com uma 1-2 moderna; porém, ao usar o acelerador tomei um "bom" susto: a vela acelerada rende MUITO com uma taxa de queda muito boa para a classe. É o tipo de vela que faz com que o piloto use o acelerador com frequência; acelerada, é bem estável e rende muito bem, um binômio difícil de ser encontrado na classe, convenhamos. OU a vela é estável acelerada OU rende bem. O Mistral 5 é estável e rende, com um afundamento muito honesto para a classe.
Peguei uma condição bem pauleira numa aproximação e a vela reagiu muito bem respondendo prontamente aos comandos, mostrando velocidade adequada para encarar o ventão na final e resistência a colapsos - não sofri sequer uma orelhinha e posso garantir que uma fechada eventual não estaria fora do script para a condição. Foi uma boa impressão do comportamento da vela.

RESUMO FINAL: O Mistral 5 é uma vela com performance digna dos novos e modernos 1-2. Não é a primeira vela para um piloto; trata-se talvez, de uma vela para quem voa de LTF/DHV 2 e quer fazer um bom Downgrade sem perder performance ou para o piloto que quer começar a colocar um pouco mais de tempero em seus vôos de fim de semana. No cross, acho que vai acompanhar tranquilamente o povo do pelotão "intermediário".
Eu fiquei muito satisfeito com o paraca; atendeu plenamente minhas expectativas iniciais.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Por que voar de DHV 1-2?



Eu e um irmão "vertebrado" em Mariana/MG. Crédito da foto para o amigo Rogério.

Acabei de trocar a minha vela. Vendi o "Nemo" (um Ellus 2 que me deu muita felicidade) e comprei um Mistral 5 da Swing, também DHV 1-2 que infelizmente ainda não tive oportunidade sequer de inflar dada as condições diluvianas da região.
Vez ou outra, sou questionado sobre os motivos que me levam a continuar voando de velas de homologação baixa. Como a escolha do tipo de vôo que queremos fazer é uma questão que me parece importante, vou dar os meus motivos, que, afinal, estão longe de ser uma verdade absoluta. Trata-se somente da minha verdade, que pode ser diferente da sua e, seguramente, é diferente DA verdade, essa por sua vez diferente da minha e da sua.

1)Um mito muito comum no vôo livre, é de que o desempenho de um piloto melhora na medida em que ele passa a voar de velas de homologação mais alta.
Não é verdade; trata-se de um caso "do rabo que abana o cachorro" O desempenho do piloto melhora na medida em que ele torna-se mais capaz de entender a dinâmica do vôo livre e aplica-la de forma instintiva durante o vôo. A regra correta seria melhorar o piloto e depois trocar a vela (aí sim o cachorro abanaria o rabo) e não trocar a vela na intenção de melhorar o piloto. Além de ser uma atitude completamente ineficaz, mostra-se vez ou outra temerosa e inconsequente.

2)Um parapente DHV 1-2 de fabricação recente não limita o vôo de grande parte dos pilotos que eu vejo em rampas pelo Brasil a fora.
É errado imaginar que é regra geral, aplicável a todos no vôo livre, a premissa de que um vôo vai mais longe ou dura mais tempo se o piloto estiver voando velas de homologação mais alta. Ao contrário, o vôo pode ser melhor sob todos os prismas se o piloto voar em uma vela que lhe transmita mais segurança e não o surpreenda em situações mais críticas de turbulência. São inúmeros os exemplos de situações que comprovam essa teoria.

3)Talvez seja essa a questão mais delicada; a vaidade e a ética de grupo. O vôo livre é um esporte que transborda vaidade. Os pilotos são levados a imaginar que são pessoas "mais especiais que os outros" pelo fato de terem condições de carregar dentro de uma mochila as asas que os levam onde poucos têm coragem ou condiçoes de ir. A plenitude de estar voando às vezes é tão marcante que nos esquecemos que somos seres errantes num planetinha azul; deixamos de lembrar enfim, que somos tão mortais como qualquer outro.
Como em qualquer outro meio social, no vôo livre também surgem regras inconscientes de condutas, que tendem a se sobrepor as regras de comportamento normais que valem para todas as outras situações. Tudo bem quando a ética pessoal não se perde...
Quando estamos na rampa falamos e agimos de maneira própria, de forma a que àqueles que não são do nosso "clã" imaginem até que dialogamos em um idioma desconhecido e que àquelas roupas coloridas e diferentes (algumas sem nenhuma serventia) são feitas exclusivamente para aqueles seres especiais.
A essas peculiaridades sociais daremos o nome de ética de grupo. A ética de grupo usualmente, não passa de um meio legítimo de identificação de pessoas com o mesmo interesse social; assim também o é no vôo livre. O problema é que as vezes a ética do grupo impõe algumas ações temerosas.
A vaidade da qual falamos acima, juntada a ética de grupo cria condições ideais para que nasça a cultura do-cabra-bom-voa-de-vela-brava, premissa que mostra-se diaria e exaustivamente falsa.

4)Se eu pudesse dar uma sugestão a todos os meus irmãos de vôo eu diria: Voe o que lhe faça feliz! Preferencialmente, com o parapente que signifique o caminho mais fácil para a felicidade que só nós conhecemos: estar nas alturas escutando e sentindo o vento. Descobrindo na prática que o invisível e improvável existem e são tangíveis.
Afinal, somos todos especiais mesmo né?

Brevemente, posto as fotos e minhas impressões do Mistral 5.

quarta-feira, 5 de março de 2008

A RAÇA DOS DESASSOSSEGADOS

Eu e o "Nemo" decolando na Moedinha 2007. Crédito da foto para o amigo Michel.

Conheci esse texto em Dezembro do ano passado e foi "amor a primeira vista".


A RAÇA DOS DESASSOSEGADOS - De Martha Medeiros

Foi no livro "A caverna", de José Saramago, que o personagem Cipriano Algor definiu seu genro Marçal como um homem "da raça dos desassossegados de nascença". Logo pensei ao ler, "eu também sou", assim como você deve estar pensando , "me inclua nessa".

À raça dos desassossegados pertencemos todos, negros e brancos, ricos e pobres, jovens e velhos, desde que tenhamos, como característica dessa raça comum, a inquietação que nos torna insuportavelmente exigentes com a gente mesmo e a ambição de vencer não os jogos, mas o tempo, esse adversário implacável.

Desassossegados do mundo correm atrás da felicidade possível, e uma vez alcançado seu quinhão, não sossegam: saem atrás da felicidade improvável, aquela que se promete contante, aquela que ninguém nunca viu, e por isso sua raridade.

Desassossegados amam com atropelo, cultivam fantasias irreais de amores sublimes, fartos e eternos, são sabidamente apressados, cheios de ânsias e desejos, amam muito mais do que necessitam e recebem muito menos amor do que planejavam.

Desassossegados pensam acordados e dormindo, pensam falando e escutando, pensam antes de concordar e, quando discordam, pensam que pensam melhor, e pensam com clareza uns dias e com a mente turva em outros, e pensam tanto que pensam que descansam.

Desassossegados não podem mais ver telejornal que choram, não podem sair mais às ruas que temem, não podem aceitar tanta gente crua habitando as pirâmides e tanta gente cozida em filas, em madrugadas e no silêncio dos bueiros.

Desassossegados vestem-se de qualquer jeito, arrancam a pele dos dedos com os dentes, homens e mulheres soterrados, cavando sua abertura, tentando abrir uma janela emperrada, inventando uns desafios diferentes para sentir sua vida empurrada, desassossegadoa voltados para a frente.

Desassossegados têm insônia e são gentis, lhes incomodam as verdades imutáveis, riem quando bebem, não enjoam, mas ficam tontos com tanta idéia solta, com tamanha esquizofrenia, não se acomodam em rede, leito, lamentam a falta que faz uma paz inconsciente.

Dessa raça somos todos, eu sou, só sossego quando me aceito.