quinta-feira, 2 de julho de 2009

O Voo Livre e as regras.




A discussão que ultimamente vem tomando conta da Lista Br e das rampas é a respeito do uso indevido de espaço aéreo. Para quem ainda não se inteirou, tudo começou com as congratulações públicas a certo piloto que teria realizado um (bom) voo - no entanto o voador teria invadido espaço aéreo restrito para tal. Surgiram os que defendem o piloto e a natureza "Livre" do voo e outros tantos, que racionalmente, defendem a obediência a uma regra primordial e inquestionável de conduta aérea.

Preliminarmente eu mesmo devo, para o bem da sinceridade, admitir que sempre tive muita dificuldade para entender essa, digamos, "ordem anárquica" que impera na cabeça de grande parte das pessoas que voam de asa e parapente. Talvez por eu não ser assim. Imagino que é preciso ao menos um pouco de organização para todas as coisas na vida. Mas diante de um quadro que inicialmente me pareceu absolutamente inexplicável, de ojeriza a qualquer regra por menor que esta fosse, me senti tentado a entender o que acontece na realidade. Gosto mesmo de gente e tento entender as pessoas sempre que possível...me surpreendi ao constatar que entender esses "malucos" não foi tão difícil assim.

Para tentar explicar esse estado de coisas e idéias, é preciso remontar ao início da história da vontade de voar que assola o ser humano desde que ele olhou pro céu pela primeira vez. Leonardo da Vinci, disse que "um homem equipado com asas pode vencer a resistência do ar, conquistar esse elemento e subir apoiado nele"; para o bem de sua integridade física e da Arte em geral, Da Vinci não tentou provar a sua teoria...
O grande patrono do voo planado é o alemão Otto Lilienthal, que ao longo de 15 anos a partir de 1871 realizou diversos voos (aproximadamente 2000). Foi o primeiro registro de algúem que tenha ganhado altura em um voo planado, restando então a conclusão de que o tal Alemão foi o primeiro a se deparar com uma térmica.
Outros tantos malucos, norte americanos, europeus e até um tal de "Padre voador" Brasileiro se mataram ou se machucaram tentado se jogar de barrancos pelo Mundo a fora no intuito de voar como pássaros.

Depois de muita gente quebrada e aproximadamente 200 que perderam a vida em experimentos exóticos, eis que aparecem os Irmãos Wright e o Santos Dumont. Após o famoso Demoisele de Santos Dumont, em questão de poucas décadas o voo deixou de ser esse sonho maluco, e passou a ter a dimensão de transporte público, ganhando então com isso um monte de Regras e burocracias na medida em que o céu foi se enchendo de aviões. Nas precisas palavras de Cláudio de Moura Castro, o voo virou "O Supremo Império do Não pode". Não havia mais lugar para se voar pelo prazer.

Eis que então, passados muitos anos, os malucos reaparecem com suas traquitanas e começam a se dependurar debaiso de trapézios de uma tal "Asa delta". Alguns anos depois, um médico e um açougueiro/poeta (a falta de formação científica de ambos para o voo diz muito) inventam um tal "para wing" que depois vira parapente.
Estava reestabelecido que era possível voar por prazer! Livre de motores e também do "Império do Não pode"

Somos descendentes ideológicos diretos dos "Incríveis homens e suas máquinas voadoras" do século XIX. Não sei se existe espaço para esses romantismos nesse mundo de urgências e "Gestões de qualidade", mas eu devo confessar que gosto de pensar que sim- deve haver espaços para os românticos.
Não se trata de apologia a qualquer tipo de irregularidade: trata-se sim, de entender que o meio em que nós voadores nos metemos, por força do "DNA ideológico", nos faz frutos das maiores maluquices e esquisitices que já foram realizadas em nome do sonho de voar.




*Referências explícitas ao "MEIO SÉCULO NO LIMIAR DO PERIGO - Memórias de um aventureiro amador", de Claúdio de Moura Castro, um dos melhores e incrivelmente pouco conhecido livro já escrito a respeito de voo livre.