segunda-feira, 18 de agosto de 2008

A construção e a anatomia de um acidente.

Eu, decolando da Moeda, em 01/07/08 minutos antes de fraturar o úmero e lesionar um tendão...

Ao contrário do que as vezes possa parecer, não sou dado a crer no improvável e no inevitável. Admito a possibilidade de acontecimentos inexplicáveis, embora seja obrigado a admitir também a minha dificuldade em aceitar fatos taxados como inevitáveis ou inexplicáveis. Estes são na minha opinião, mal conhecidos e por isso, mal explicados.
O acidente do título desse texto não é um acidente qualquer, genérico, apesar de não ter tido grandes consequências. Trata-se na realidade de um acidente em especial. Na verdade, acidente que aconteceu comigo no dia 01/07/2008, minutos após eu decolar da Serra da Moeda para um vôo prego de meio de semana, do qual resultou uma fratura de úmero e lesão de ligamentos (um tal de supra-espinhoso - dói pra caramba), que me proporcionaram tempo para escrever isto que vocês estão pacientemente lendo, e mais ainda para refletir a respeito do tal acidente que inicialmente me pareceu inevitável, inexplicável; um acidente enfim. Afinal, qual a explicação possível e não transcendental pode haver para, após pousar achar um buraco pelo caminho, tropeçar e cair sobre o ombro com as funestas consequências já citadas?
O acidente apesar de ter acontecido no pouso depois de um Vôo prego, começou a ser construído no final de 2007/início de 2008.
O ano de 2007 foi pródigo em bons vôos. Na Serra da Moeda, em Leopoldina, Festivais de vôo, Campeonato Mineiro, foram várias as situações em que eu pude fazer belos vôos.
2007 foi, provavelmente, o ano em que mais voei na minha vida.
Resolvi então me planejar para que em 2008 eu voasse ainda mais e melhor. Troquei o parapente, marquei férias para a temporada de vôo (quem não tem filhos não imagina como é difícil marcar férias fora da tríade Julho-Dezembro-Janeiro), resolvi aumentar a minha frequência de vôos. Esqueci-me porém, de considerar o mais importante: o prazer em voar livre de planejamentos, metas e as consequentes frustrações.
Um grande paradoxo! Voar muito e bem, me fez querer voar mais e melhor; acabei voando menos e mal como os pacientes amigos verão a seguir.
Meses antes do caso, lembro-me de comentar com alguns colegas de vôo que vinha voando com menos prazer do que o costumeiro. Para ser ainda mais sincero, em algumas ocasiões simplesmente não havia prazer em voar. Não entendia como e porque o vôo livre tinha deixado de ser fonte de plenitude e alegrias.
Só comecei a entender dias depois de me machucar. Em retrospecto, lembrei de vôos pouco antes que salvei em térmicas bicudas e próximas do relevo, pousando aborrecido por não ter ido mais longe, ralado mais baixo ou acelerado mais.
Recordei a displicência em algumas decolagens, e me surpreendi quando entendi que todos os sinais de que algo iria acontecer estavam lá sem que eu me desse conta de que o processo de construção de um acidente já havia chegado em seu final. Fraturei o braço não porque simplesmente pisei num buraco, mas porque voava displicentemente já há muito tempo culminando com um pouso desatento e "mole" que acabou tendo consequências.
A fisioterapeuta e o médico me prometeram que ainda esse ano volto a voar. Eu prometi nunca mais esquecer que devo voar pra mim e não para metas, frutos da presunção que temos de achar que controlamos a vida.
Ao final, não poderia deixar passar trecho de uma carta que recebi da minha mãe, dia 17/06/08 - guardo o original para quem quiser conferir - quatorze dias antes do acidente; na ocasião, ela demonstrava a sua preocupação com os riscos do vôo e narra um sonho que havia tido naquela noite:

"...não sei explicar se fui alertada, se foi sonho ou pesadelo; só sei que no sonho, alguém que não conheço falava vários nomes de automobilistas, alpinistas, pilotos de asa e parapente já mortos, frisando que todos eles haviam sido alertados de que tinham compromissos a serem cumpridos mas preferiram não dar ouvidos. Me recordei de alguma coisa como ser forte não é insistir em desafios, não é ser vaidoso a ponto de colocar a própria existência em segundo plano, mas ser grande em admitir a hora de parar, valorizando a vida e levando adiante um compromisso..."

Talvez tenha sido um mal menor. Talvez o inexplicável esteja mais presente em nossas vidas do que imaginamos.