sexta-feira, 4 de abril de 2014



"Entre as grandes coisas que não podemos fazer, e as pequenas coisas que não queremos fazer, existe o perigo de não fazermos coisa alguma”             
                             Adolphe Monod

O propósito deste espaço sempre foi e continuará sendo o de escrever sobre temas que se conectem ao espiritualismo e ou ao humanismo. Por isso mesmo nunca, ao longo desses anos em que venho expondo esses apanhados de letras, tenha escrito sobre polícia, defesa social e ou temas afins.

No entanto, nesse espaço cujo teor encerra sempre essa proposta e no período que antecede a Copa do Mundo da FIFA a ser realizada no Brasil, é preciso tecer algumas considerações sobre a minha atividade profissional nos últimos 20 anos: polícia, segurança e defesa social. Não por concessão a temas distantes do foco desse espaço mas sim por haver nesse momento conexões bastante significativas entre eles.

Não é segredo para ninguém que o Brasil passa por uma crise de segurança pública que vem se recrudescendo ao longo da última década; não que a crise tenha surgido nesse período - ela vem de longe, com fundamentos antropológicos e sociais que nos remetem ao Brasil Colônia, mas especialmente nessa última década e meia ocorreram mudanças que colorem com novos tons a dinâmica da prestação de serviços de Defesa Social,  todos eles com alguma conexão com o Estado democrático de Direito e as novas propostas que surgem com a redemocratização do país, delineada poucos anos antes.

Observou-se inicialmente o reposicionamento das polícias e suas atribuições (processo que ainda perdura atualmente) que antes traziam não só nos hábitos como também em seus arcabouços normativos, o norte de suas atividades voltadas para a proteção do Estado e de seus interesses, muitas vezes em detrimento da defesa do interesse da sociedade quando estes conflitavam. Nesse contexto, observamos o nascimento de novas contradições, filhas da curta experiência democrática do país, que demandam novas ações e sobretudo novos mecanismos de repressão aos excessos que vem surgindo no decorrer do ajuste entre a Sociedade e a realidade democrática. 
Trata-se de processo natural e inevitável da vivência democrática que deve trazer mais equilíbrio na relação entre o público e o privado, e sobretudo entre o individual e o coletivo, não sem reposicionamentos e novas realidades. O caso mais agudo talvez seja o das polícias. De grande mantenedora histórica do Status Quo, viu-se com a missão de garantir as mudanças pelas quais a sociedade anseia. Talvez em nenhum momento a polícia tenha se revestido tanto quanto agora do papel pedagógico a que se refere Ricardo Balestreri e representativo de uma mudança de cultura e de hábitos aguardados com cada vez mais ansiedade pela e para a sociedade. Ao mesmo tempo, continua sofrendo com a desestruturação e o amadorismo, a desconsideração e a desproporcionalidade no juízo de suas ações que sistematicamente vem sendo avaliadas dentro de critérios absolutamente incompatíveis com o que lhe tem sido oferecido a título de fomento de novas posições. 

A instituição perde em crédito social e o profissional perde em segurança jurídica; todos perdem com serviços mal prestados (quando são prestados). 
E aproxima-se a copa do mundo FIFA ...
Dentre tantos os questionamentos, pertinentes ou não, que vem sistematicamente sendo parte cotidiana dos preparativos para o evento esportivo, um até agora não foi realizado: Num país que se encontra em plena vivência democrática, qual a razão para que a polícia seja usada de forma a proteger os interesses do estado em realizar o evento relegando a um plano muitas vezes coadjuvante a defesa da sociedade? Reiteradamente ratifica-se a garantia da realização do evento como missão das forças policiais. Os encargos assumidos pelo Brasil com a FIFA se subverteram na principal demanda das polícias. Diante disso, é necessário algumas perguntas: A garantia do cumprimento do compromisso contratual entre o Estado Brasileiro e a entidade esportiva seria mesmo de responsabilidade da polícia? E o policial que será, mesmo que intuitivamente, auditado e exigido no sentido de garantir direitos individuais e coletivos, qual segurança jurídica terá para o exercício de atribuições tão nebulosas e diversas das suas originalmente?
Notem que em nenhum momento eu questiono a legitimidade dos interesses do estado. 
-Se são mesmo do estado ou do governo. 
-Se são justificáveis sob a ótica das prioridades mais clamorosas. 
Pergunto somente quem deve garanti-los. Será mesmo o policial sob todas essas penas?