segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Verdades e Mitos sobre o Voo livre. Primeira parte.

"VOO LIVRE É UM ESPORTE ARRISCADO" - VERDADE.
Se pendurar num pedaço de pano que fica suspenso por um monte de linhas ao sabor de correntes de ar, certamente é uma atividade de risco. O que as vezes não fica muito claro é que é possível praticar uma atividade de risco com consciência. Gerenciar os riscos. O canto da Sereia é tão forte e convincente que, as vezes, até os próprios pilotos passam a acreditar que são malucos sem nenhum senso de amor ao próprio couro. Ou que devem agir como se fossem. É possível voar de parapente sem se correr risco desnecessários. Para isso é preciso entender que a atividade é inerentemente de riscos.
"VOO LIVRE É UM ESPORTE DEMOCRÁTICO" - MITO.
Um dos mitos mais comuns em que muita gente (inclusive eu) acredita ou acreditou. Voar é, ao contrário, um esporte extremante seletivo. A aptidão para ser piloto de parapente é tão clara como a inaptidão de alguns. Tentar tornar apto aquele que não tem aptidão é um erro que normalmente redunda em risco de vida. Para esses (que tem vontade mas não tem aptidão), existe o voo duplo. Criar a habilidade para pilotar naqueles que já tem aptidão ou avisar ao candidato a futuro piloto que a brincadeira não é para ele - esse é o papel de um bom instrutor.
"VOO LIVRE É UM ESPORTE AMADOR" - MITO.
A estrutura do voo livre hoje é de um esporte profissional. Há centenas de pessoas vivendo do voo livre no Brasil, muitos realizando tarefas com extrema competência. Há que se entender no entanto que a raiz do voo livre é fincada em terras férteis ao empirismo. É preciso não confundir uma atividade profissional com uma atividade que seja alvo de estudos e que deixe, por isso, de ser empírica. O que falta ao voo livre não é profissionalismo: é estudo e método. Organização enfim.
"VOO LIVRE É UM ZOOLÓGICO" - VERDADE.
Provavelmente nenhum outro esporte tem a capacidade de juntar tanta gente diferente em um mesmo lugar com um único objetivo. Desde que haja aptidão e paixão pela brincadeira, pessoas das mais diferentes idades, etnias, classes, gêneros, índoles, temperamentos, crenças e experiências convivem bem.
"VOO LIVRE É COISA DE GENTE DOIDA" - VERDADE.
Dizem que louco é qualquer ser vivo que pisca. Ou ainda aquele que não tem comportamento ditado pelo que a maioria julga razoável. Nesse sentido, somos todos loucos por termos optado pelo indescritível prazer de voar sozinhos e sem motor por horas pendurados por aquele monte de linhas fininhas. Pobre do bicho homem que se imagina feliz e pleno se enquadrando na "normalidade".

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Fragmentos fugazes.

O céu como um mar revolto. Boa metáfora para esse mundo doido.


As vezes, o Mundo é pouco amistoso com quem deseja dar prioridade a valores que não os materiais. É difícil não deixar que o materialismo, que assola tal qual uma Pandemia a humanidade, também nos contagie e nos faça mais uma alma moribunda. Quase tudo conspira a favor do culto ao Ter. A vaidade é celebrada como se fosse uma virtude. Em nome de ser superior e mais poderoso do que o outro, abrimos mão da serenidade e do prazer de viver.


Antídoto contra o materialismo não há - ou eu penso que não. Noto porém, que todas as vezes que a vida se torna pouco simples é quase certo que tenhamos nos esquecido de um troço que minha mãe e pai chamavam de Princípios. Os alicerces morais da vida. O que mesmo que saibamos ser muito raro e as vezes até doloroso desenvolver, fazemos questão de também falar aos nossos filhos. Simplesmente porque (talvez) lá no fundo saibamos que é a única coisa que pode dar um coração sereno.


Somos efeito de nossas escolhas e ações na vida. Para o bem e para o mal. Pedagogicamente, vemos em nós mesmos as consequências das bobagens que fazemos.

As cagadas (que me perdoem o primeiro palavrão em quase dois anos de blog) só não ensinam mais do que a capacidade infinita que temos de nos reeguer na vida. Cair e levantar é a regra natural para seres errantes como todos nós. Mais sublime e humano do que o soerguimento não há.


E o que eu quero dizer com tudo isso? Simplesmente que me nego ao compromisso com as minhas imperfeições.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

O Voo Livre e as regras.




A discussão que ultimamente vem tomando conta da Lista Br e das rampas é a respeito do uso indevido de espaço aéreo. Para quem ainda não se inteirou, tudo começou com as congratulações públicas a certo piloto que teria realizado um (bom) voo - no entanto o voador teria invadido espaço aéreo restrito para tal. Surgiram os que defendem o piloto e a natureza "Livre" do voo e outros tantos, que racionalmente, defendem a obediência a uma regra primordial e inquestionável de conduta aérea.

Preliminarmente eu mesmo devo, para o bem da sinceridade, admitir que sempre tive muita dificuldade para entender essa, digamos, "ordem anárquica" que impera na cabeça de grande parte das pessoas que voam de asa e parapente. Talvez por eu não ser assim. Imagino que é preciso ao menos um pouco de organização para todas as coisas na vida. Mas diante de um quadro que inicialmente me pareceu absolutamente inexplicável, de ojeriza a qualquer regra por menor que esta fosse, me senti tentado a entender o que acontece na realidade. Gosto mesmo de gente e tento entender as pessoas sempre que possível...me surpreendi ao constatar que entender esses "malucos" não foi tão difícil assim.

Para tentar explicar esse estado de coisas e idéias, é preciso remontar ao início da história da vontade de voar que assola o ser humano desde que ele olhou pro céu pela primeira vez. Leonardo da Vinci, disse que "um homem equipado com asas pode vencer a resistência do ar, conquistar esse elemento e subir apoiado nele"; para o bem de sua integridade física e da Arte em geral, Da Vinci não tentou provar a sua teoria...
O grande patrono do voo planado é o alemão Otto Lilienthal, que ao longo de 15 anos a partir de 1871 realizou diversos voos (aproximadamente 2000). Foi o primeiro registro de algúem que tenha ganhado altura em um voo planado, restando então a conclusão de que o tal Alemão foi o primeiro a se deparar com uma térmica.
Outros tantos malucos, norte americanos, europeus e até um tal de "Padre voador" Brasileiro se mataram ou se machucaram tentado se jogar de barrancos pelo Mundo a fora no intuito de voar como pássaros.

Depois de muita gente quebrada e aproximadamente 200 que perderam a vida em experimentos exóticos, eis que aparecem os Irmãos Wright e o Santos Dumont. Após o famoso Demoisele de Santos Dumont, em questão de poucas décadas o voo deixou de ser esse sonho maluco, e passou a ter a dimensão de transporte público, ganhando então com isso um monte de Regras e burocracias na medida em que o céu foi se enchendo de aviões. Nas precisas palavras de Cláudio de Moura Castro, o voo virou "O Supremo Império do Não pode". Não havia mais lugar para se voar pelo prazer.

Eis que então, passados muitos anos, os malucos reaparecem com suas traquitanas e começam a se dependurar debaiso de trapézios de uma tal "Asa delta". Alguns anos depois, um médico e um açougueiro/poeta (a falta de formação científica de ambos para o voo diz muito) inventam um tal "para wing" que depois vira parapente.
Estava reestabelecido que era possível voar por prazer! Livre de motores e também do "Império do Não pode"

Somos descendentes ideológicos diretos dos "Incríveis homens e suas máquinas voadoras" do século XIX. Não sei se existe espaço para esses romantismos nesse mundo de urgências e "Gestões de qualidade", mas eu devo confessar que gosto de pensar que sim- deve haver espaços para os românticos.
Não se trata de apologia a qualquer tipo de irregularidade: trata-se sim, de entender que o meio em que nós voadores nos metemos, por força do "DNA ideológico", nos faz frutos das maiores maluquices e esquisitices que já foram realizadas em nome do sonho de voar.




*Referências explícitas ao "MEIO SÉCULO NO LIMIAR DO PERIGO - Memórias de um aventureiro amador", de Claúdio de Moura Castro, um dos melhores e incrivelmente pouco conhecido livro já escrito a respeito de voo livre.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Sobre pais, filhos e riscos.

Foto: Anne Geddes

Dia desses, numa corrida despretensiosa por notícias na internet achei uma (infelizmente não sei onde), de um pai que tirava um retrato por dia do filho desde que esse nasceu. O moleque já devia ter uns 4 ou 5 anos e lá estava um montão de fotos desde que o pirralho ainda era nenenzinho. Fiquei pensando em como isso é meio louco e surreal... Quem não gostaria de ter um instantâneo de cada dia de vida dos filhos? Legal né? Pois é. Também achei. O problema talvez seja o fato de que o mais importante é sempre aquilo que não pode ser organizado ou mensurado.
Como por exemplo registrar a emoção que toma conta da gente quando vemos um filho dar os primeiros passos? Se é possível, eu sinceramente nem imagino como. E, quem sabe, foi o medo de perder a lembrança que fez o tal pai retratista tirar uma foto por dia do filho? Todos somos medrosos assim. Eu em particular me declaro um medroso. Tenho medo de não conseguir repetir dentro de mim as sensações e emoções que me varrem vez ou outra. E é verdade também, que corremos sempre esse risco de viver coisas intensas e fugazes na mesma proporção. Ou de não conseguir organizar essas coisas.


Não sei não, mas suponho que a vida é mais sentir do que organizar as coisas. E assim vamos nos transformando em uma outra pessoa sem que a gente note. A ilusão que faz a gente supor que é possível controlar e organizar as emoções as vezes é necessária para continuar vivendo. Mas não deixa de ser uma ilusão ou pretensão bem pouco plausível.


O mundo muda, a gente muda, os filhos crescem, coisas impossíveis e improváveis acontecem. Impossível organizar ou prever tudo isso. Ou não? :-)

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Os erros de disponibilidade - sobre médicos, erros e voo livre.


Fotos: Hebrom Tebas



Dentre tantas coisas boas e ruins que li ultimamente, um livro em especial me chamou a atenção: trata-se do "Como os médicos pensam", livro do Dr. Jerome Groopman, Oncologista, hematologista e Professor da Faculdade de Medicina de Harvard. O Dr. Groopman escreveu um livro a respeito dos processos cognitivos da clínica médica e seus equívocos. Em resumo trata-se um livro escrito por um médico, para quem não é médico, no intuito de explicar as causas e efeitos dos erros cognitivos que os médicos cometem.

Em determinado momento, o Dr. Groopman fala do que ele chama de "Erro de disponibilidade": na definição do autor, "uma forte tendência a pensar com base em um acontecimento incomum chocante, ocorrido pouco antes, que ganha destaque na mente do médico". Como exemplo, o caso de um médico que se deparou com uma alteração muito comum numa mamografia de uma de suas pacientes, que no entanto, não se encontrava lá no último exame. Decidido, o médico entendeu que, a revelia da ansiedade que isso certamente causaria em sua paciente, ele deveria pedir uma biópsia; de forma sincera então, explicou que precisava se assegurar de que tudo estava normal. A surpresa foi o resultado que detectou um câncer extremamente agressivo e raro.
Diante do quadro, o dilema: Se o caso for apresentado haverá fila de mulheres para fazer biópsia do que quase sempre é um achado sem importância. Caso contrário, perderia-se a oportunidade de estudo de um caso importante e que deveria servir de alerta a outros médicos. O Erro de disponibilidade estaria exatamente em passar a pensar todos os achados semelhantes como se fossem um Câncer agressivo e raro. Não pude deixar de fazer uma analogia da situação com várias situações da vida comum, e, (por que não?) com o voo livre.
Que o voo livre, apesar de ser algo absolutamente apaixonante, machuca e mata cruelmente aqueles que se esquecem disso é fato mais do que sabido. O que talvez ainda não tenha sido percebido é que as discussões acerca de segurança pecam pelo tal Erro de disponibilidade. Para ser claro e direto, o que deve ser considerado em termos de política de segurança não são situações excepcionais e raras mas sim, àquelas com as quais convivemos diariamente. O acidente que teve como causa uma conjunção rara de fatores, pela sua prórpia natureza, dificilmente se repetirá. Ao contrário, os pequenos erros que vez ou outra acontecem sem maiores consequências, continuarão a acontecer e de tempos em tempos matarão alguém.
É preciso parar com o raciocínio de excepcionalidades e nos voltarmos ao que é costumeiro e habitual- isso é o que importa.


O caso do piloto que colide com um Disco voador pode esperar um pouquinho para ser analisado - dificilmente alguém vai encontrar outro OVNI pela frente (se bem que alguns pilotos parecem ter sido abduzidos; mas isso é outra história) Em compensação, os vários casos de gente que decola desengatada, outros tantos tomando fechadas perto do relevo, decolando em condições e/ou voando velas acima de suas capacidades, pousando entre fios elétricos para evitar uma caminhada, esses precisam de atenção urgente - são os que se transformam habitualmente em acidentes.

Moral da história: quando escutarmos barulhos de cascos, pensemos em cavalos - deixemos as zebras e mulas sem cabeça para depois.

Em tempo: As fotos publicadas junto ao texto são todas do amigo Hebrom Tebas, piloto, fotógrafo e messenas das diversões da Serra da Moeda; enfim, o cara joga nas onze!

Mais (excelentes) fotos do Hebrom em http://www.flickr.com/photos/hebromtebas/

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

A mudança que a gente quer...

Ewa Wisnierska decolando ontem 07/02, no Mundial de Parapente no México. A frase no parapente é "SEJA A MUDANÇA QUE VOCÊ DESEJA VER NO MUNDO".

Já escrevi algo sobre isso ou parecido.
No entanto, achei tão legal a foto da Ewa decolando que resolvi escrever de novo.

-Quantos de nós queremos pros outros as mudanças que não conseguimos para nós mesmos?
-Quantos de nós queremos paz no Oriente Médio sem que consigamos ir de casa ao trabalho sem brigar no trânsito?
-Quantos de nós queremos um mundo mais ético, sem que a ética passe a ser coisa imprescindível nas nossas relações?
-Quantos de nós queremos o voo livre mais seguro, mas esquecemos a segurança tão logo a vaidade nos faz o seu chamado?

Dê o seu exemplo!
Seja um que consegue a mudança para si!
Viva em paz - Com você, com os seus queridos, seus amigos, seus colegas de trabalho, seus parceiros de rampa. Esqueça o Oriente Médio!
Só cobre ética dos outros quando você tiver certeza de que você é 100% ético!
Voe com segurança! Vigie a sua vaidade - Não deixe que ela te transforme em mais um maluco desprovido de senso lógico!

De minha parte, prometo me vigiar mais e mais.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

UM PEQUENO ENSAIO SOBRE O SIMPLES E O FÁCIL. OU DE COMO VOAR É SIMPLES

Um monte de gente pendurada nas suas traquitanas...
Chega na rampa; condição legal com vento de 15 km bem de frente; ciclos térmicos definidos com alguns pilotos voando e dando as dicas visuais da condição.
Tira a vela da mochila, checa as linhas e faz o engate da selete e da vela na selete; vai para a rampa, abre a vela, puxa os tirantes "A" de frente para a vela, que sobe bem certinha até ficar acima do piloto que segura um pouco com os freios o eventual avanço do parapente. Vira de frente e pronto! O cara está voando.


Me desculpem aqueles que acham isso complicado: é, ao contrário, muito simples!


O problema é a eventual incapacidade de alguns para diferenciar o simples do fácil.
O Dr.Aurélio, diz que "Simples" é sinônimo de sem dificuldade ou complexidade e que "fácil" é aquilo que se faz ou consegue sem esforço ou se apreende sem custo.
Digo natural e tranquilamente que para mim, o voo livre é simples (não é complexo); entretanto não seria sincera a afirmativa de que o voo livre é fácil (conseguir sem esforço ou se apreender sem custo).
Como a própria vida, o voo livre nos dá mostras irrefutáveis de que o simples nem sempre é fácil de ser aplicado. As vezes, fazemos do simples algo complexo por absoluta incapacidade de fazer o simples direito.


Vamos aprender a colocar o simples em prática ao invés de tentar torna-lo complexo; e entender, humildemente, que fazer o simples é tudo, menos fácil.